segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

"Os Cantores De Leitura" de Maria Gabriela Llansol

 
"para sobreviver há uma sobreposição de notas pessoais _________ de pessoas _________ que tenho de ouvir ________ e essas pessoas devem girar constantemente nas suas múltiplas faces ________ de que eu recebo algumas, e afasto outras."



"É uma verdade que nos serena, sabermos que somos variações da luz."



"Ler é, constantemente, um trabalho de levantar, um acasalamento entre mentes/sementes, entre mentes e sementes, que se põem em determinado sítio da terra de uma e depois no húmus de outra, com paixão."



"Amor meu, a invenção constante é uma ave plena. Mas eu não sei para que ave me dirijo."



"Colocou a cabeça entre as mãos habituadas a sentir o perfume das páginas habitadas. De sublinhar a lápis com cuidado, desejando tudo menos agredir quem se ama e, sobretudo, a razão por que se ama. Amava aquela companhia, o tratamento de conhecimento altamente libidinal que dava às páginas que, quando ele queria, adormeciam nos seus joelhos. Era o palpável - para o seu corpo a escrever em cima de outro - quando traduzia, ou seja, quando acolhia o próximo na morada da sua alma. Não admitia a deslocação de uma língua para a outra sem questionar-lhe o destino. As reverberações de sentido variavam com as sonoridades."




"Os Cantores De Leitura" de Maria Gabriela Llansol
Assírio & Alvim, Outubro de 2007
Páginas 32, 83, 182, 185 e 217

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

 
"A sopa de miso vermelho, por exemplo, que todas as manhãs consumimos: se repararem um pouco na sua cor, compreenderão facilmente que foi inventada nas casas sombrias de antigamente. Um dia, convidado para uma reunião de chá, aconteceu apresentarem-me miso. E a essa sopa lodosa, cor de argila, que sempre consumira sem lhe prestar atenção, descobri, de súbito, sob a luminosidade difusa das velas, ao vê-la estagnar no fundo da taça negra lacada, uma verdadeira profundidade e uma cor das mais apetecíveis."



"Elogio Da Sombra" de Junichiro Tanizaki
Relógio D'Água Editores, Fevereiro de 1999
Páginas 28 e 29
 
"Alguns poderão dizer que a beleza enganadora criada pela penumbra não é a beleza autêntica. Todavia, e tal como o dizia atrás, nós os Orientais criamos beleza ao fazermos nascer sombras em locais por si mesmos insignificantes.
(...)
... creio que o belo não é uma substância em si, mas apenas um desenho de sombras, um jogo de claro-escuro produzido pela justaposição de diversas substâncias. Tal como uma pedra fosforescente que emite brilho quando colocada na escuridão e ao ser exposta à luz do dia perde todo o fascínio de jóia preciosa, também o belo perde a sua existência se lhe suprimirmos os efeitos da sombra."


"Qual poderá ser a origem de uma diferença de gostos tão radical? Pensando bem, é porque nós, Orientais, procuramos acomodar-nos aos limites que nos são impostos, que desde sempre nos satisfizemos com a nossa presente condição; consequentemente, não sentimos repulsa alguma pelo que é obscuro, resignamo-nos a ele como a algo inevitável: se a luz é fraca, pois que o seja! Mais, afundamo-nos com delícia nas trevas e descobrimos-lhes uma beleza própria.
Pelo contrário, os Ocidentais, sempre à espreita do progresso, agitam-se incessantemente na procura de uma condição melhor que a actual. Sempre em busca de uma claridade mais viva, afadigaram-se, passando da vela ao candeeiro de petróleo, do petróleo ao bico de gás, do gás à iluminação eléctrica, para cercar o menor recanto, o último refúgio da sombra."


"Alguma vez, vocês que me lêem, viram «a cor das trevas à luz de uma chama»? São feitas de uma matéria diferente das trevas da noite numa estrada, e se posso arriscar uma comparação, parecem feitas de corpúsculos como que de uma cinza ténue, onde cada parcela resplandecesse com todas as cores do arco-íris."



"Elogio Da Sombra" de Junichiro Tanizaki
Relógio D'Água Editores, Fevereiro de 1999
Páginas 47, 48 e 49
 
"São ainda os Chineses que apreciam essa pedra a que chamamos jade: não seria, de facto, necessário sermos Extremo-Orientais como somos para achar atraentes esses blocos de pedra, estranhamente enevoados, que aprisionam nas profundezas da sua massa vagas luzes fugitivas e indolentes, como se neles se tivesse coagulado um ar várias vezes centenário?"


"Comprazemo-nos nessa claridade ténue, feita de luz exterior de aparência incerta, retida na superfície das paredes de cor crepuscular, e que conserva com dificuldade uma última réstia de vida."


" ... contemplando as trevas escondidas atrás da viga superior, em redor de uma jarra de flores, sob uma prateleira, e sabendo perfeitamente que são sombras insignificantes, experimentamos a sensação de que, nesses locais, o ar encerra uma espessura de silêncio, que uma serenidade eternamente inalterável reina nessa escuridão. Afinal, quando os Ocidentais falam de «mistérios do Oriente», é bem possível que se refiram a essa calma um pouco inquietante que a sombra segrega quando possui essa qualidade."




"Elogio Da Sombra" de Junichiro Tanizaki
Relógio D'Água Editores, Fevereiro de 1999
Páginas 21, 32 e 34