terça-feira, 24 de abril de 2018

Gosto do caminho da vida simples

"Gosto do caminho da vida simples
Por entre artemísias na bruma e grutas pedregosas
 
O meu sentir selvagem distende-se e acalma
Há muito companheiro das brancas nuvens ocioso
 
Não desejo o caminho do mundo
Sua paixão não me atrai
 
À noite sento-me sozinho num leito de pedras
A lua redonda sobe a Montanha Fria"
 
"O vagabundo do Dharma - 25 poemas de Han-Shan"

segunda-feira, 9 de abril de 2018

"Oh! o deslizar na água! Oh! aquele admirável deslizar, uma pessoa até hesita em voltar à tona. Mas é em vão que eu falo. Quem dentre vocês poderá alguma vez compreender a que ponto uma pessoa pode ali circular como em casa? Os verdadeiros nadadores deixam de saber que a água molha. Os horizontes da terra firme deixam-nos atónitos. E é sem cessar que voltam ao fundo da água."

 
"O Retiro Pelo Risco" - Antologia da Poética de Henri Michaux
"E o poeta demora-se olhando as pedras e
interroga-se
existem acaso
entre estas linhas estragadas as arestas os gumes
os côncavos e as curvas
existem acaso
aqui onde se encontra a passagem da chuva do vento
e do desgaste
existem o movimento do rosto o traçado do carinho
daqueles que diminuíram tão estranhamente dentro da nossa vida
desses que ficaram sombras de vagas e reflexões com
a imensidade do mar
ou porventura não nada fica a não ser apenas o peso
a saudade do peso duma existência viva
aí onde agora sem substância ficamos vergando
como hastes do salgueiro abominável amontoadas dentro
da duração do desespero
enquanto lenta a amarela torrente arrasta para baixo dentro da lama
juncaria arrancada
imagem de rosto que se tornou mármore na decisão de uma
amargura para sempre.
O poeta um vazio."
 
"Poemas Escolhidos" de Yorgos Seferis

quinta-feira, 5 de abril de 2018

"Ele inventava histórias passadas na neve, cabanas perdidas em paisagens brancas, e ela pensava ver os flocos a cair, e o desenho de flores nas vidraças embaciadas, flores estranhas que se pareciam com labirintos e mandalas, com mensagens muito antigas, ele era sempre capaz de recriar o mundo para ela, de começar a criação do mundo, no primeiro dia a noite e as estrelas, no segundo o mar, os pássaros e os peixes, no terceiro a luz e a neve."
 
Ana Teresa Pereira  em "A Linguagem dos Pássaros"
" E aprenderá a nadar muito cedo, descerei com cuidado o caminho nas rochas e ele aprenderá a gostar do mar, a senti-lo, e depois a mover-se nele como se fosse o seu elemento natural, e o seu corpo terá o bronze quase dourado do meu corpo e do de Miguel, e os seus cabelos terão madeixas mais claras do sol, e os seus olhos serão profundos e limpos como os das pessoas que passam muito tempo a olhar para o mar. Também o ensinarei a conhecer as plantas, os pássaros e os astros, os seus nomes, os seus movimentos ao longo do ano, ..."

Ana Teresa Pereira  em "A Linguagem dos Pássaros"