sábado, 31 de dezembro de 2016

Canção do Tempo Fugaz

"A água corre, jamais regressa
à nascente da montanha.
A flor cai, jamais regressa

ao ramo que a sustentou.
 
Fugidio relâmpago, a vida,
apenas o sentir do seu passar.
Imutáveis, Céu e Terra,
tão rápida a mudança em nosso rosto."

"Poemas de Li Bai", Instituto Cultural de Macau, 1990, org. e tradução de António Graça de Abreu.
"Por razões que nunca aprofundei, a beleza da paisagem urbana raramente me seduz. Passado o encanto momentâneo da descoberta, os olhos logo se fatigam daquela beleza estática que, vista à distância, perde a vida."

J. Rentes de Carvalho em "A Sétima Onda"

domingo, 25 de dezembro de 2016

A vivenciar o ciclo da Lua Vermelha

A Lua e os Ciclos Femininos
 

«Mirella Faur, referência no movimento de Retorno do Sagrado Feminino, diz que, do ponto de vista mágico, existem dois tipos de ciclos menstruais determinados em função da fase lunar em que ocorre a menstruação: o ciclo da lua vermelha e o ciclo da lua branca.

A mulher pertence ao ciclo da lua branca quando ovula na lua cheia e menstrua na lua negra (sendo o quinto dia a lua minguante, a lua negra acontece nos três dias que antecedem a lua nova). Quando a mulher menstrua por esse ciclo, geralmente ela apresenta melhores condições energéticas para expressar suas energias criativas e nutridoras, já que nesse caso o auge da fertilidade ocorre durante a lua cheia, estabelecendo relação com o arquétipo da mãe e cuidadora - aspecto do feminino normalmente aceite pelo sistema patriarcal.

Por outro lado, a mulher que ovula na lua negra e menstrua na lua cheia pertence ao ciclo da lua vermelha. Nesse caso, como o auge da fertilidade acontece na fase escura da lua, as energias criativas são direcionadas ao desenvolvimento interior e a energia sexual é usada para fins mágicos, relacionando-se com o arquétipo da bruxa, maga ou feiticeira - aspecto do feminino costumeiramente negligenciado e temido pelo patriarcado.

"Ambos os ciclos são expressões da energia feminina, nenhum deles sendo melhor ou mais correto que o outro. Ao longo de sua vida, a mulher vai oscilar entre os ciclos Branco e Vermelho, em função de seus objetivos, de suas emoções e ambições ou das circunstâncias ambientais e existenciais" (FAUR, 2015, p. 499).

Para pertencer ao ciclo da lua branca ou vermelha, a mulher não necessariamente precisa ovular e menstruar nos dias exatos da lunação mencionada anteriormente. Se, por exemplo, ela menstruar dois dias após a lua negra, ainda assim pertencerá ao ciclo da lua branca. Segundo Mirella Faur, a tendência é que, com o passar do tempo, exercitando essas práticas de auto-observação, os ciclos passem a regular-se de forma mais sincrônica.

A influência das energias lunares características de cada fase não é fixa e, nas mulheres, depende também do ciclo ao qual ela pertence (Lua Vermelha ou Lua Branca) e do momento da vida de cada uma. Desse modo, para sintonizar-se com as energias da Lua e compreender os próprios processos, é importante meditar e observar os próprios ciclos.»

sábado, 17 de dezembro de 2016

Um poema de Natália Correia

"Casta e fabulosa a lua

Estampada na vidraça.
De sentinela, na rua.

Só o silêncio que passa.

Risca a treva o clarão
De uma porta que se abre
Para uma perdida verdade
Submersa na solidão.

E aquela estrela cadente
Numa curva já sumida
Escreve no céu de repente
Todo o mistério da vida."

in Rio de Nuvens/ Antologia Poética

quarta-feira, 30 de novembro de 2016


"Nas praias, em Portugal, mesmo quando o mar está manso, ouve-se por vezes gente aflita gritar, a quem se aproxima da água, para que tenha cautela com a sétima onda.
Mais alta que as outras, mais lenta, ela espalha suavemente a espuma, para de súbito, traiçoeira, escavar na areia um abismo e engolir os corpos que nunca devolve.
Diz-se que os espíritos das vítimas ficam presos na rebentação, condenados à pena eterna de rever sete vezes o passado a cada sétima onda."

domingo, 27 de novembro de 2016


Busca

"Durante anos os procurei,
um amor, um lugar,
um sonho de casas eternas,
um cais de outrora quando se acendiam as
lâmpadas,
durante anos te procurei,
caminhantes das estrelas solitárias, das
estrelas sem nome,
brilhando sobre as ilhas, sabe-se lá onde,
em que oceanos que levaste contigo,
no grande eclipse desta vida."

José Agostinho Baptista  em "Agora e na Hora da Nossa Morte"

terça-feira, 22 de novembro de 2016

" ... a lua, o astro do orvalho, o astro do pranto, começava a surgir de entre as nuvens e a mostrar o seu pálido rosto."
 
Gustave Flaubert  em "Novembro"

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Saudade

"Há,
em todas as canções do vento,
um refrão que diz que nunca mais encontrarei
a grande porta do teu amor.
Quando aí batia,
com três pancadas secas que já não se ouviam
um pouco além,
eram outros os anos,
outros os cristais de comovida arte,
contemplados por Deus.

Há,
em todas as canções do vento,
um grito,
um lamento de anjos que partiram para sempre,
deixando amargas liras e a saudade de te ver
ainda,
num século de doces tardes."

José Agostinho Baptista  em "Agora e na Hora da Nossa Morte"

quarta-feira, 16 de novembro de 2016


"Há poetas que têm a alma repleta de perfumes e de flores, que olham a vida como uma aurora do céu; outros não têm mais que sombras, mais do que amargura e cólera; há pintores que vêem tudo azul, outros vêem tudo amarelo ou negro. Cada um de nós tem um prisma através do qual vê o mundo ..."

Gustave Flaubert  em "Novembro"

terça-feira, 15 de novembro de 2016

sábado, 12 de novembro de 2016


"Se vivi momentos de entusiasmo, devo-os à arte; e no entanto, que vaidade é a arte! querer pintar o homem num bloco de pedra ou a alma em palavras, os sentimentos em sons e a natureza numa tela envernizada ..."

Gustave Flaubert  em "Novembro"

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

"Nunca gostei de horas fixas, de uma existência de relógio, onde tudo é organizado de antemão, durante séculos e gerações. Essa regularidade pode decerto convir à maioria, mas para a pobre criança que se alimenta de poesia, de sonhos e de quimeras, é despertá-la constantemente desse sonho sublime, é não lhe conceder um momento de repouso, é asfixia-la na nossa atmosfera de materialismo e de bom senso, que a horroriza e lhe repugna."

Gustave Flaubert  em "Novembro"

terça-feira, 1 de novembro de 2016

"Também gostava - e é uma das minhas mais ternas e deliciosas recordações -, de contemplar o mar, ver as vagas espumar umas sobre as outras, a onda quebrar-se em espuma, alongar-se sobre a praia e bramir ao retirar-se sobre as pedras e as conchas.
Corria pelos rochedos, pegava na areia do oceano e deixava-a escorrer ao vento por entre os dedos, molhava algas e aspirava a plenos pulmões o ar salgado e fresco do oceano, que nos enche a alma de tanta energia, de tão vastos e poéticos pensamentos; olhava a imensidão, o espaço, o infinito, e a minha alma perdia-se diante daquele horizonte sem limites."

Gustave Flaubert  em "Novembro"

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Um poema de Ana Hatherly

"Se eu pudesse dar-te aquilo que não tenho
e que fora de mim jamais se encontra

Se eu pudesse dar-te aquilo com que sonhas
e o que só por mim poderá ter sonhado

Se eu pudesse dar-te o sopro que me foge
e que fora de mim jamais se encontra
Se eu pudesse dar-te aquilo que descubro
e descobrir-te o que de mim se esconde

Então serias aquele que existe
e o que só por mim poderá ter sonhado."

in A Idade da Escrita, Ed. Tema, 1998

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Um poema de Albano Martins


"A teu lado viajo.
Contigo navego.
Remos são as palavras 

que te digo e escrevo.
Âncoras de ternura
com elas compomos
mastros de espuma.
Barcos é o que somos."

In Sob os Limos, 1986
" ... sinto que as minhas ambições de fraternidade se adequam mais a amar a humanidade, a tornar-me irmão da massa, do que a amar o indivíduo, mesmo que esse indivíduo seja de facto meu irmão."

Afonso Reis Cabral  em "O Meu Irmão"

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

 
"Eleva-te acima de qualquer altura;
desce mais fundo que qualquer profundidade;
concentra em ti todas as sensações das coisas criadas;
da Água, do Fogo, do Seco e do Húmido.
Pensa que te encontras simultaneamente em toda a parte:

na terra, no mar e no céu;
pensa que não nasceste nunca, que és ainda embrião:
jovem e velho, morto e além da morte.
Compreende tudo ao mesmo tempo
- os tempos, os lugares, as coisas:
as qualidades e as quantidades."
 
Hermes Trismegistos

domingo, 16 de outubro de 2016

Um Dia de Sol

 
"Eu amo as coisas que as crianças amam,
Mas em compreensão funda, acrescida,
Que eleva a minha alma, de anelante,
Sobre aqueles onde inda dorme a vida
 
Tudo o que é simples e é brilhante,
Despercebido à mais aguda mente,
Com infantil e natural prazer
Faz-me chorar, orgulhosamente.
 
Eu amo o sol com o seu brilho intenso,
O ar, como se pudesse abraçar
Com minha alma sua vastidão,
Embriagado de tanto o olhar.
 
E amo os céus com tal alegria
Que me faz de minha alma admirar,
Uma alegria que nada detém,
Uma emoção que não sei controlar.
 
Aqui estendido deixem-me ficar
Diante do sol, da luz absorvida,
E em glória deixem-me morrer
Bebendo fundo da taça da vida;
 
Absorvido no sol e espalhado
Por sobre o infinito firmamento
Como gotas de orvalho, dissolvido,
Perdido num louco arrebatamento;
 
Misturado em fusão com toda a vida,
Perdido em consciência, impessoal,
Fico parte da força e da tensão,
Pertença duma pátria universal;
 
E, de modo estranho e indefinido,
Perdidos no Todo, um só vivente,
Essa prisão a que eu chamo a alma
E esse limite a que chamo mente."
 
 
Alexander Search
In 'Poesia' , Assírio & Alvim , edição e tradução de Luisa Freire, 1999

sábado, 24 de setembro de 2016

"As montanhas, como deuses, bebem água directamente das nuvens. E molham-se como deuses. Mas nada interessa, ainda que à nossa volta as nuvens entreguem um abraço ao cume dos montes."

Afonso Reis Cabral  em "O Meu Irmão"

domingo, 3 de julho de 2016

Il Poeta - Harp & Hang Duo


Ítaca

"O que dói
É não poder apagar a tua ausência
e repetir dia após dia os mesmos gestos
 
O que dói
é o teu nome que ficou como mendigo
Descoberto em cada esquina dos meus versos
 
O que dói
é tudo e mais aquilo que desteço
Ao tecer para ti novos regressos."

Daniel Faria em "Das Madrugadas"

domingo, 15 de maio de 2016

"Banda Sonora" para a corrida de amanhã :))


O olhar descoberto

"Diz-me se
na água reconheces o rumor
adormecido nos búzios
 
Diz-me se o outono tem
a ver com as algas
com a incerteza das folhas
 
e se há um sentido oculto
no rodar das estações
 
Diz-me se
toda a imagem é engano
ou filha enjeitada
do fogo
 
Diz-me se é certo
que o tempo
é um único olhar
prolongado nos dias
 
se a vida é o avesso da vida
e se há morte"

José Tolentino Mendonça  em "Os Dias Contados"

domingo, 1 de maio de 2016

A noite abre meus olhos

"Caminhei sempre para ti sobre o mar encrespado
na constelação onde os tremoceiros estendem
rondas de aço e charcos
no seu extremo azulado
 
Ferrugens cintilam no mundo,
atravessei a corrente
unicamente às escuras
construí minha casa na duração
de obscuras línguas de fogo, de lianas, de líquenes
 
A aurora para a qual todos se voltam
leva meu barco da porta entreaberta
 
o amor é uma noite a que se chega só."

José Tolentino Mendonça  em "Estrada Branca"

domingo, 3 de abril de 2016

Sobre um Poema

"Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.
 
Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.
 
E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.
 
- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
- E o poema faz-se contra o tempo e a carne."

Herberto Hélder (1930-2015)

Da Lua e suas fases


domingo, 27 de março de 2016

Homem

"Eu estou sobre as florestas
verde e brilhante
pairando acima de todas
eu, o Homem.
Eu sou órbita no cosmos,
movimento em flor,
sustentáculo sustentado.
Eu sou sol entre os astros que giram,
eu, o Homem,
sinto-me profundamente,
perto da mais alta mónada do cosmos,
eu, o seu pensamento.
A minha cabeça tem folhagem de estrelas,
de prata é o meu rosto,
eu brilho,
eu,
como Ele,
o cosmos;
o cosmos
como eu!"

Kurt Heynicke

terça-feira, 8 de março de 2016

A Caligrafia das Aves


"As aves marcam o relevo da maré
e a estenografia das horas
Mudam de estação como de idioma
e ondulam pela areia de uma seara
Emergem de vírgulas interiores
e anunciam uma ortografia madura
entre as linhas de continentes decalcados
a tinta impermanente
 
Têm uma caligrafia acidental em frente ao mar
e uma forma nasalada de dizer
meu pé, minha mãe, meu pão
Escrevem uma carta com sotaque de despedida,
uma interrogação quando podia ser a travessia."
 
Tiago Patrício  em "O Livro das Aves"

Viagem

"Se já atingiste o conhecimento não o deixes transparecer
apreende o mundo de novo como um filósofo ioniano
prova o sabor da água e do fogo do ar e da terra
porque só eles permanecerão quando tudo tiver passado
e a viagem permanecerá embora já não seja a tua."

Zbigniew Herbert  em "Escolhido pelas Estrelas"

sábado, 5 de março de 2016

Moon, from the series "Astronomical observations" by Donato Creti, 1711

O Círculo de Giz Caucasiano

"Qualquer poema abre um círculo
à sua volta.
Podemos ser-lhe indiferentes:
estamos então para além do círculo.
Ou pode o poema, de algum modo
(até por irritação),
chamar por nós.
Neste caso, enredamo-nos no círculo:
saltar ou não?
Passar para dentro do poema,
ficar de lado
ou entrar nesse lugar feito de coisa nenhuma
de onde vêm todos os poemas?"

Luís Filipe Castro Mendes  em "A Misericórdia dos Mercados"

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Dentro da Vida

"Não estamos preparados para nada:
certamente que não para viver
Dentro da vida vamos escolher
o erro certo ou a certeza errada
 
Que nos redime dessa magoada
agitação do amor em que prazer
nem sempre é o que fica de querer
ser o amador e ser a coisa amada?

Porque ninguém nos salva de não ser
também de ser já nada nos resgata
Não estamos preparados para o nada:
certamente que não para morrer."

Gastão Cruz  em "A Moeda do Tempo"
"Há momentos em que somos obrigados a conviver com pessoas de natureza tão distinta da nossa que bastam cinco minutos de contacto para percebermos que, cedo ou tarde, os diques que sustêm a hostilidade latente acabarão por ceder e quanto mais pressão pusermos sobre eles maior será a catástrofe. A questão que nos colocamos é a de saber se o ideal é passar de imediato para a fase de conflito declarado ou aguardar diplomaticamente que, como dizem alguns entendidos nas matérias, as coisas sigam ao seu ritmo, na vã esperança de que uma relação franca e honesta, ainda que difícil, seja possível. A diplomacia, sabe quem já esteve na guerra, é um exercício de grande violência interior."

Bruno Vieira Amaral  em "As primeiras coisas"

domingo, 7 de fevereiro de 2016

O Mistério da Poesia

"Como o pai do poeta Yeats dizia,
misticismo é um meio para a poesia.
Porque insistir então em conceber
a poesia como atalho para o Ser?"

Luís Filipe Castro Mendes

Do Nepal ao Tibete: a viagem de todos os sonhos

"Patan ou Bhaktapur, nem sempre nos mostra as cidades verdadeiras daquele vale - mas tem a ver com a nossa mitologia. A mesma que leva o personagem de O Fio da Navalha, de Somerset Maugham, a percorrer os caminhos da neve e das montanhas para se reencontrar consigo mesmo, descobrindo noutro lugar (aí, no Oriente) aquilo que perdeu entre nós.
Somos distraídos, os ocidentais, os europeus, os que vivem longe de Katmandu, mesmo se não precisamos de ir a Katmandu para descobrir o que se encontra em Katmandu, como concluíram os que fizeram essa peregrinação. Katmandu, com a sua altitude, a sua cor, além dos seus sons e, sobretudo, da sua aparente inacessibilidade, é uma metáfora perfeita para o espírito da viagem.
Todas as viagens podiam ser encaradas como uma visita a Katmandu, uma reaprendizagem de todas as culturas e a demonstração da nossa disponibilidade para conhecer aquilo que é o nosso contrário, o que nos é mais diferente e mais provocatório. Hoje, não nos basta que o mundo seja conhecido. Precisamos de experimentá-lo, de encontrar as vozes que vêm do fundo do deserto e do interior das montanhas, do labirinto das cidades e das suas casas.
Deve existir, algures entre os restos da neve dos altíssimos trilhos das montanhas mais altas da Terra, um mistério guardado para as gerações que hão-de vir, ou que hão-de nascer - esse segredo é o da resistência do Tibete. Antigamente, falava-se do «povo das alturas», habituado à contemplação e ao silêncio, a admirar a beleza intacta das ravinas e das estradas de pó que confinam com os lagos azul-turquesa ou que correm ao longo dos rios que nascem no Tibete (entre eles o Yang-Tsé, o Amarelo, o Brahmaputra ou o Ganges, que percorrem os caminhos da liberdade e se expandem para lá das suas fronteiras naturais).
Montanhas sagradas, rios sagrados, pássaros que desenham riscos brancos no céu, cores dos vestidos sacudidos pelo vento, dos animais que resistem às intempéries, às estações frias do tempo.
Deve existir um segredo que explique a nossa necessidade de paz, ou de contemplação, ou de isolamento, ou de serenidade, como uma música soprada do coração da terra e das coisas elementares. Deve existir um segredo, um antigo mistério que explique a capacidade de sobrevivência do Tibete (e do seu exílio) e o facto de o sagrado se estender sobre o mapa da terra e estar aqui mais ao alcance da mão do que em qualquer outro lugar."

Francisco José Viegas e Manuel Gomes da Costa  em "Tão Longe Quanto os Homens"

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

"Folhagem sobre os pés ou sob os pés,
raízes que me cortam a busca
de um corpo que deve estar por perto
a fazer coincidir o céu azul
com a vontade de ter ar para si,
e cinza, e um olhar de amor.
Um peso que não se arrasta, voz
sem tempo nenhum, vem pé
ante pé sobre mim e sobre o livro
que deixou de ter palavras
mal caiu no meio do ar o desejo
de esvoaçar no meio da tarde."

Hélder Moura Pereira  em "Uma Ideia da Coisa"

domingo, 24 de janeiro de 2016

Nevoeiro

"O nevoeiro é a cinza que do alto
cai sobre a terra a atenuar-lhe a cor.
Pó-de-arroz da cidade, que ao sol-pôr,
lembra poeira de oiro no asfalto.
 
O nevoeiro cai sem sobressalto
como lágrima tímida, incolor,
e empresta à voz da rua outro sabor,
dá-lhe cadências graves de contralto.
 
Ao pôr do sol o nevoeiro é espuma,
é volúpia, mistério, lenda, bruma
tão leve como franja de retrós ...
 
Nos candeeiros murcha a claridade ...
A alma da neblina é uma saudade
que vive, oculta, em cada um de nós."

Fernanda de Castro  em "Cidade em Flor"

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Meditação

"Às vezes, quando a noite vem caindo,
Tranquilamente, sossegadamente,
Encosto-me à janela e vou seguindo
A curva melancólica do poente.

Não quero a luz acesa. Na penumbra
Pensa-se mais e pensa-se melhor.
A luz magoa os olhos e deslumbra,
E eu quero ver em mim, ó meu amor!
 
Para fazer exame de consciência
Quero silêncio, paz, recolhimento,
Pois só assim, durante a tua ausência,
Consigo libertar o pensamento.
 
Procuro então aniquilar em mim
A nefasta influência que domina
Os meus nervos cansados; mas por fim
Reconheço que amar-te é minha sina.
 
Longe de ti atrevo-me a pensar
Nesse estranho rigor que me acorrenta,
E tenho a sensação do alto mar,
Numa noite selvagem de tormenta.
 
Tens no olhar magias de profeta
Que sabe ler no céu, no mar, nas brasas.
Adivinhas. Serei a borboleta
Que vendo a luz deixa queimar as asas.
 
No entanto - vê lá tu! - eu não lamento
Esta vontade que se impõe à minha ...
Nem me revolto ... cedo ao encantamento ...
Escrava que não soube ser rainha!"

Fernanda de Castro em "Danças de Roda"

sábado, 2 de janeiro de 2016

"Kajurao é o lugar mais belo da Índia, talvez o único lugar que possamos dizer realmente belo, no sentido «ocidental» da palavra. Um imenso relvado-jardim ao gosto inglês, verde, de um viço pungente, com buganvílias esparsas em grandes maciços redondos, diante dos quais os olhos poderiam ficar esquecidos, gozando aquele vermelho paradisíaco durante horas a fio. Filas de raparigas, com os seus sari, muito enfeitadas, tratavam da relva; e, mais adiante fileiras de crianças, sentadas na relva, enquanto, mais longe ainda, jovens que carregavam, pendurados da extremidade de uma vara, baldes cheios de água: tudo isto, numa paz de Primavera infinita. E espalhados pela relva, os pequenos templos, que são tudo o que de mais sublime se pode ver na Índia."

Pier Paolo Pasolini  em "O Cheiro da Índia"

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Balanço Literário de 2015

2015 ... 38 livros lidos num total de 8330 páginas lidas!

Curiosidade: média de 219 páginas por livro!



E os 10 livros que mais gostei de ler em 2015 foram:
 
  • "A Cidade do Sol" de Tomás Campanella
  • "A Harpa de Ervas" de Truman Capote
  • "A Lua e Cinco Tostões" de Somerset Maugham
  • "Encontros Marcados" de Gonçalo Cadilhe
  • "Entrevistas da Paris Review" - Selecção e Tradução de Carlos Vaz Marques
  • "Escritos Autobiográficos, Automáticos e de Reflexão Pessoal" de Fernando Pessoa
  • "História da Beleza" - Direcção de Umberto Eco
  • "Obra Poética" de Sophia de Mello Breyner Andresen
  • "Saúde Perfeita" de Deepak Chopra
  • "Shambhala - A misteriosa civilização tibetana" de Andrew Tomas