segunda-feira, 15 de maio de 2023





"Por vezes o construtor senta-se, sob a folhagem de um plátano, contemplando ao longe os pequenos montes de um azul ténue ou abandonando o olhar à tranquila e cintilante fluência do riacho que circunda a construção. A larga e fresca delícia do sossego é tão grande que ele se demora na contemplação sem pensar, como se se sentisse ele próprio um elemento da paisagem em que a consciência seria totalmente receptiva e aberta aos estímulos dos brilhos, formas, cores, odores e eflúvios. Poderia ficar assim longo tempo, imerso na totalidade viva do instante, sentindo-se limpo e novo e possuído de uma leveza aérea e subtil. É então que adormece e sonha com voluptuosas figuras que nascem de um magma vermelho para onde retornam silenciosas e nuas. Quando acorda a frescura do mundo inunda-o e deslumbra-o. Recomeça então o trabalho numa disposição leve e volúvel, nutrido pela energia renovada pela contemplação e pelo sono. As pedras que modela e coloca formando, pilares, colunas, arcos ou paredes possuem as formas vivas de um corpo flexível e voluptuoso, animado pelos elementos, imprevisível e puro, suave e impetuoso como os gestos de desejo. Mas a paisagem não é o modelo da construção que se inspira na imaginação aberta e autónoma, livremente desencadeada a partir das impulsões vitais e das nebulosas incandescentes do desejo. A água e o fogo ondulam nas colunas, a terra afirma-se na densidade dos pilares, o ar dança na leveza das volutas, o sol transparece e fulgura nas paredes, a casa, toda ela, é uma epifania dos elementos e das forças da natureza. Embora destituída de figuras, a casa é uma figuração imaginária que corresponde às pulsões mais arcaicas do corpo dando-lhes a forma livre e harmónica de um templo consagrado à totalidade de um instante de criação absoluta."



António Ramos Rosa em "O Aprendiz Secreto"
Fotografias da exposição "Subnigrum: Silos" de Ana Vr @ MU.SA - Museu das Artes de Sintra

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