sábado, 25 de julho de 2015

Nómada

"Sentou-se no porto e abriu aos que o escutavam
o seu livro de viagens.

Conhecera as montanhas geladas do norte e atravessara de noite
brancas e densas florestas, acossado pelos ursos. Cruzara
cidades luminosas onde as mulheres tinham cabelos louros,
mas ninguém falava a sua língua; e deixara-se arrastar
pelos ventos até às praias quentes do sul onde ganhou
pele morena e olhos verdes. Depois
 
instalou-se provisoriamente nas ruínas de um continente velho
onde foi monge, amante, homem letrado, e ensinou às raparigas
de um claustro branco os rudimentos da leitura. E, por fim,
partiu para um dos derradeiros lugares do mundo,
onde o tomaram pelo último marinheiro e o perseguiram.
 
Perdera deus no seu caminho e voltara atrás.
 
Havia, enquanto recordava, uma pequena ferida na sua voz:
em nenhum lugar achara ainda o nome da sua casa."


Maria do Rosário Pedreira  em "A Casa e o Cheiro dos Livros"

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