" ... o mundo literário, a sociedade e as instituições reconhecem o ensaio, e parecem até promovê-lo. Mas há alguma coisa de perverso (ou de ingénuo) nesse reconhecimento, já que essa mesma sociedade e as suas instituições (incluindo a Universidade), naquilo que melhor as define hoje, dificilmente aceitam, e muito menos legitimam e promovem, a «pulsão ensaística» que, ainda segundo Eduardo Lourenço, «nasce da experiência de cada um como expressão da sua "instabilidade" ontológica». Acontece que o modo de estar no mundo da nossa contemporaneidade raramente gosta de mostrar aquele lado instável, intranquilo ou periclitante que é apanágio da busca de sentido(s) que o ensaio pratica, com um instrumento que é uma espécie de sexto sentido da teoria dos géneros e das práticas de escrita. O ensaio, sobre o qual recai desde logo a grande suspeita de ser um género «diletante», acaba por ser facilmente visto como um género «sem qualidades». Em muita coisa, na verdade, este género a um tempo tão humilde e tão soberano, tão marginal aos tempos e tão dependente do tempo, se perfila contra o mainstream cultural dos nossos dias."
"Sendo assim - e ele é assim -, o ensaio não pode ser (como a poesia hoje também não é) aquilo que os tempos esperam que todos sejamos: um género ganhador. Ganhadores são hoje outros géneros: a biografia, a autobiografia e a fotobiografia, a «grande reportagem», alguma ficção, mais musculada ou mais publicitada, mais espectacular ou mais alienante. O ensaio, porém, não dá certezas, tira-as todas."
João Barrento em "O Género Intranquilo - anatomia do ensaio e do fragmento"
Assírio & Alvim, Setembro de 2010
Páginas 81, 82 e 90