sexta-feira, 23 de março de 2018

"E no fim do Verão comecei a afastar-me um pouco. Saía de casa de madrugada, antes que os outros se levantassem, vestia uma camisola velha sobre o fato de banho e ia para as rochas apanhar conchas e pedras. Havia umas muito bonitas, mas o importante era que eu aprendera a senti-las, segurava-as na mão durante algum tempo até ficarmos ligadas.
Uma manhã encontrei uma pedra polida pelas águas, misteriosa, que trouxe para casa. Tinha muitas cores, azul, verde, vermelho; na sua superfície estendiam-se prados com flores campestres, talvez papoilas, e pedaços de céu. Pensei que Tom saberia o seu nome.
Claro que Tom saberia o seu nome. Conservá-la-ia na mão durante uma eternidade, sentindo-a, escutando-a ... tornando-a dele.
E ouvi-me dizer baixinho, quase sem querer:
- Meu amor.
(...)
Ele gostou da pedra (disse-me que se chamava unakite), colocou-a no velho armário do estúdio, entre os livros e as maçãs esverdeadas. Também tinha algumas para mim, águas marinhas de um azul muito suave, pedras da lua quase brancas."

Ana Teresa Pereira  em "O Rosto de Deus"

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