sexta-feira, 1 de março de 2019

Emoção e Dor

"Siddhartha também tentava cortar o sofrimento pela raiz. Mas não inventava soluções como desencadear uma revolução política, emigrar para outro planeta ou criar uma nova economia mundial.
Não pensava sequer em criar uma religião ou desenvolver códigos de conduta que trouxessem paz e harmonia. Investigou o sofrimento com um espírito aberto e, mediante a sua contemplação infatigável, descobriu que, na raiz, são as nossas emoções que conduzem ao sofrimento. Na verdade, elas são sofrimento. De um modo ou de outro, directa ou indirectamente, todas as emoções nascem do egoísmo, no sentido em que implicam apego ao eu. Além disso, ele descobriu que, por mais reais que pareçam ser, as emoções não são uma parte inerente do nosso ser. Não são inatas, nem são alguma espécie de maldição ou implante que alguém ou algum deus tenha introduzido em nós. As emoções surgem quando determinadas causas e condições se reúnem, como quando nos precipitamos pensando que alguém nos critica, ignora ou despoja de algum ganho. Surgem então as emoções correspondentes. No momento em que aceitamos essas emoções, no momento em que as adquirimos, perdemos a consciência e a sanidade. Ficamos em efervescência. Deste modo, Siddhartha encontrou a sua solução: consciência. Se desejamos eliminar verdadeiramente o sofrimento, devemos desenvolver a consciência, vigiar as nossas emoções e aprender como evitar entrar em efervescência.
Se examinarmos as emoções como fez Siddhartha, se tentarmos identificar a sua origem, descobriremos que se enraízam num equívoco e estão, portanto, viciadas. Todas as emoções são uma forma de preconceito; em cada emoção há sempre um elemento de juízo.
(...)
Enquanto acreditarmos que tais coisas existem verdadeiramente - momentaneamente ou para toda a eternidade -,  a nossa crença enraíza-se numa má compreensão. Esta má compreensão nada mais é do que ausência de consciência. E quando não há essa consciência, os budistas chamam a isso ignorância. É desta ignorância que emergem as nossas emoções.
(...)
Uma insondável variedade de emoções existe neste reino mundano. A cada momento, inumeráveis emoções são geradas com base nos nossos juízos falsos, preconceitos e ignorância. Estamos familiarizados com amor e ódio, culpa e inocência, devoção, pessimismo, ciúme e orgulho, medo, vergonha, tristeza e alegria, mas há muito mais. Algumas culturas têm palavras para emoções que noutras culturas são indefinidas e portanto não existem. Em algumas partes da Ásia, não há uma palavra para o amor romântico, ao passo que os espanhóis possuem numerosas palavras para diferentes tipos de amor. Segundo os budistas, há inúmeras emoções que não estão ainda definidas em nenhuma língua e mais ainda que estão para além da lógica capacidade de definição do nosso mundo. Algumas emoções são aparentemente racionais, mas a maioria é irracional. Algumas emoções aparentemente pacíficas enraízam-se na agressão. Algumas são quase imperceptíveis. Podemos pensar que alguém é completamente impassível ou desapegado, mas isso é em si mesmo uma emoção.
(...)
A ignorância consiste simplesmente em não conhecer os factos, conhecer os factos de modo erróneo ou conhecê-los de forma incompleta. Todas estas formas de ignorância conduzem a incompreensão e má interpretação, a sobrestimar e subestimar."

Dzongsar Jamyang Khyentse  em "O Que Não Faz De Ti Um Budista"

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