sexta-feira, 5 de julho de 2019

"Tudo acaba por se atenuar, às vezes a pouco e pouco e com muito esforço e acção da nossa vontade; outras vezes com inesperada rapidez e contra essa vontade, ao mesmo tempo que tentamos em vão que não empalideçam nem se esfumem os rostos, e que os factos e as palavras não se tornem imprecisos e flutuem na nossa memória com o mesmo escasso valor dos que se leram nos romances e dos que se viram e ouviram nos filmes ...
[...]
Sim, tudo se atenua, mas também é verdade que nada desaparece nunca nem se vai de todo, permanecem fracos ecos e fugidias reminiscências que surgem a qualquer instante como fragmentos de lápides na sala de um museu que ninguém visita, cadavéricos como ruínas de frontões com inscrições partidas, matéria passada, matéria muda, quase indecifráveis, quase sem sentido, absurdos restos que se conservam sem qualquer propósito, porque não poderão recompor-se nunca e já são menos iluminação que treva, e muito menos memória que esquecimento."

Javier Marías  em "Os enamoramentos"

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