terça-feira, 10 de março de 2020

"Desde há muito que me considerava um organismo cada vez mais susceptível de ser disciplinado pela minha própria força de vontade. É bem verdade que já tivera alguns fracassos, mas não me deixava desesperar.
(...)
O prazer está em nos podermos dominar, em nos tornarmos num dócil mecanismo comandado pelo cérebro.
A felicidade para o homem está apenas nessa capacidade de autodomínio e no reconhecimento da sua própria natureza. Poucos são porém os que chegam alguma vez a reconhecer a sua natureza. Ao deixar-se dominar pelos sentimentos, ao deixar-se arrastar, sem luta, pela tendência normal do espírito para se afundar cada vez mais nas trevas, o homem mergulha no desespero. Onde domina a razão não há lugar para o desespero, disse eu, «Quando caio nesse estado em que perco totalmente o dom da razão tudo em mim é desespero». Mas raramente chegava a esse ponto. A vida é sempre esgotante enquanto se permanece dentro dos seus limites, e o prazer está em lhe resistir racionalmente. A maior parte das pessoas é dominada pelos sentimentos, não pela razão, e por isso a maior parte delas mergulha no desespero, não faz uso da razão, «A razão a que aludo», disse eu, «não tem todavia qualquer base científica».


Thomas Bernhard  em "Perturbação"
Relógio D'Água Editores, 1990
Página 51

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