sexta-feira, 16 de julho de 2021

 
"O poeta faz poesia
como quem tece uma casa,
paredes de tijolo e argamassa,
telhado em telha vã, talvez cortinas,
um pedaço de verde e de azul pendurado à janela,
barulho de pássaros, de cigarras, de grilos, de estrelas,
da motorizada do último cliente do café da rua,
talvez uma lareira acesa,
que um fogo é bom para aquecer os pés,
bom para queimar a solidão.

O poeta quer viver num mundo mais habitável,
chegar à noite e ter um quarto e no quarto uma cama,
o corpo inteiro e o cansaço inteiro,
o cheiro a sabão dos lençóis,
se a cama de casal, ao lado um corpo que o ame
ou que o suporte ao ponto de lhe aquecer os pés,
que um corpo é bom para aquecer os pés,
e o barulho dos segundos no relógio despertador,
que vai tocar para o enfiar num dia igual aos outros,
para que possa, com fundamento, queixar-se da rotina."




"Silêncio sálico" de Raquel Serejo Martins
Poética Edições, Julho de 2020
Página 17

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