quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Fulgores

Ninguém é a pátria.
J.L. Borges

 
"Nada nem ninguém é a poesia.
Nem a personagem solitária numa rocha
vendo como investe o mar. Nem o mar, que é o único
sobrevivente da mitologia.
Poesia não és tu. Nem os crepúsculos,
nem o velho prestígio inútil da rosa,
nem escrever o verso mais triste esta noite.
Nada nem ninguém é a poesia.
Nem cinza nem mármore, acumulados pelos clássicos,
nem os cais de madrugada, nem as folhas mortas,
nem escutar a canção Les Feuilles mortes.
Nada nem ninguém é a poesia.
Nem as cartas de Rilke, nem Veneza,
nem a bala na têmpora de Maiakóvski,
nem a luz do farol por entre a névoa
onde sempre esperará Lili Marlene.
Nada nem ninguém é a poesia,
mas é ela quem me salva deste monstro
que está à espreita num lugar dentro de mim,
a minha besta de companhia.

Joan Margarit  em "De Aiguaforts (1998)"

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