segunda-feira, 1 de abril de 2019

a palavra

"a palavra não tem pernas nem olhos,
não tem boca, não tem braços,
não tem intestinos e
amiúde não tem coração, ou muito
pouco.
 
não podes pedir à palavra
que te acenda o cigarro
embora te ajude a
apreciar o vinho.
 
e não podes forçar a palavra
a fazer nada que
não queira fazer.
não a podes sobrecarregar.
e não podes acordá-la
quando esta decide
dormir.
 
de vez em quando
a palavra tratar-te-á bem,
dependendo daquilo
que lhe peças para
fazer.
outras vezes, tratar-te-á
mal
independentemente
do que lhe peças para
fazer.
 
a palavra vai e
vem.
às vezes tens de
esperar muito tempo
por ela.
às vezes nunca mais
volta.
 
às vezes os escritores
matam-se
quando a palavra
desaparece.
outros escritores
fingem que ela ainda
lá está
apesar de a palavra
estar morta e
enterrada.
 
muitos escritores famosos
fazem isto.
e muitos menos famosos
que só se autodenominam
escritores.
 
a palavra não é para
todos.
e para a maioria,
está lá por
muito pouco
tempo.
 
a palavra é um
dos mais
poderosos milagres
da
existência,
pode iluminar ou
destruir
mentes,
nações,
culturas.
 
a palavra é perigosa
e bela.
 
se vier por ti,
sabê-lo-ás
e serás o mais
afortunado dos
humanos.
nada mais
importará
e tudo o resto
importará.
 
serás
o centro do
sol,
rir-te-ás
séculos afora,
tê-la-ás,
os teus dedos
as tuas entranhas
tê-la-ão,
e serás
enquanto durar
um sacana de um
escritor
fazendo o possível
impossível,
a escrevê-la,
a escrevê-la,
a escrevê-la.

Charles Bukowski  em "Os cães ladram facas [antologia poética]"

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