sábado, 7 de setembro de 2019

Sobretudo No Instante Em Que O Vento De Outubro

"Sobretudo no instante em que o vento de Outubro
vem com os dedos de geada flagelar os meus cabelos
e eu, preso pelas garras do sol, caminho sobre as chamas
e estendo sobre a terra uma garra sombria
junto à orla do mar, ouvindo o ruído dos pássaros
e o crocitar do corvo nas ramarias de inverno,
é que mais estremece o meu coração com a sua voz
e se derrama o sangue silábico ou as suas palavras perdidas.
 
Assim encerrado numa torre de palavras eu desenho
sobre o horizonte, ao caminhar como as árvores,
os perfis verbais das mulheres e, num parque, as filas longas
das crianças cujos gestos se assemelham a estrelas.
Há quem pretenda que eu te crie das faias vocálicas,
das vozes dos carvalhos ou que te conte uma narrativa
a partir das raízes de muitas províncias espinhosas,
e há quem pretenda que te crie das palavras de água.
 
Através de um vaso de fenos, o relógio que oscila
pronuncia a palavra das horas, o sentido enervado
paira sobre o círculo do pêndulo, declama a manhã
e vem anunciar no cata-vento a tempestade.
Há quem pretenda que dos sinais do prado eu te crie;
a erva memorável que me diz tudo o que já sei
rompe através do olhar com o inverno cheio de vermes.
E há quem pretenda que eu te conte os pecados do corvo.
 
Sobretudo no instante em que o vento de Outubro
(há quem pretenda que te crie de uma outonal magia,
dos sonoros montes do País de Gales ou da baba das aranhas)
vem com os punhos dos bolbos flagelar a terra,
há quem pretenda que te crie com palavras sem coração.
O coração esgota-se, estremecendo com a fuga
do sangue químico, consciente de como a agitação chega.
Junto à orla do mar, escuta as negras vogais dos pássaros."
 
 
Dylan Thomas  em "A Mão Ao Assinar Este Papel"
Assírio & Alvim, 1998

Sem comentários:

Enviar um comentário