quinta-feira, 13 de agosto de 2020

"A minha comoção mostrou-me que a colina de Sanchi representava algo central para mim. Era o Budismo que me aparecia ali numa nova realidade. Compreendi a vida de Buda como a realidade do eu, que penetrou numa vida pessoal e a reivindicou para si. Para Buda, o ego está acima de todos os deuses e representa a essência da existência humana e do mundo em geral. Enquanto um unus mundus, ele abrange tanto o aspecto do ser em si como também o do seu ser reconhecido, sem o qual o mundo não existe. Buda viu e compreendeu, sem dúvida, a dignidade cósmica da consciência humana; por isso, viu, com clareza, que, se fosse possível apagar a luz da consciência, o mundo se afundaria no nada. O mérito imortal de Schopenhauer foi ter ainda reconhecido isto ou tê-lo reconhecido de novo.
Também Cristo é - como Buda - uma encarnação do eu, mas num sentido muito diferente. Ambos são superadores do mundo: Buda é-o a partir de uma percepção, por assim dizer, racional; Cristo é-o como vítima escolhida pelo destino. No Cristianismo, sofre-se mais, no Budismo, vê-se e faz-se mais. Ambas as coisas estão certas, mas, no sentido indiano, Buda é o ser humano mais completo. É uma personalidade histórica e, por isso, mais compreensível para as pessoas. Cristo é um ser humano histórico e deus e, por isso, muito mais difícil de captar. No fundo, ele não era compreensível mesmo para si próprio; só sabia que tinha de sacrificar-se, como lhe era imposto do fundo do seu íntimo. O seu sacrifício atingiu-o como um destino. Buda agiu pela sua percepção. Viveu a sua vida e morreu velho. Cristo, provavelmente, só por muito pouco tempo esteve activo como aquilo que é."


"Memórias, Sonhos, Reflexões" de C.G. Jung
Relógio D' Água Editores, Julho de 2019
Páginas 278 e 279

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