"Os turistas em grupo sempre me deslumbraram e me fizeram uma certa inveja. É que nunca percebi bem se eles são gente se são aves em migração estival. Tal como as aves, estão mais interessados nas estátuas e no milho do que nos seres humanos. Tal como elas, chegam, estão e partem em bando. São ainda lindamente coloridos e inexpressivos, iguais uns aos outros e, quando falam, é em grupo, e então palram e então piam, quem os entende?
Nunca fiz uma viagem organizada e essa é uma das minhas frustrações. Estar num país sem entrar nele, aflorá-lo ao de leve, esvoaçá-lo, ver só o que foi combinado com antecedência por outros, apagar implacavelmente tudo o resto, apagar os seres humanos e todo o sofrimento dos seres humanos, que maravilha. Contentar-se com essa alegria em grupo que é igual em todo o mundo, desejá-la. Estar de passagem. Estar e já ter partido.
Visitar os monumentos mas às vezes não ver os monumentos, nem isso. Porque às vezes não há tempo, almoça-se numa cidade, vai-se jantar a outra. E fotografa-se à pressa para ver depois. Olha-se para a máquina por falta de tempo para olhar a máquina e o monumento. E então prefere-se a máquina de viajar no passado. E mais tarde, já em casa, de pantufas, ou em reunião de amigos, mostram-se fotografias e slides e todos soltam muitas exclamações.
Também há turistas isolados, uma tristeza. Aquele japonês, por exemplo, em Paris. Lá adiante a torre Eiffel, e ele com a sua bela máquina fotográfica japonesa, muito perfeita, muito complicada, muito cara decerto, no respetivo tripé. Retificou e voltou a retificar a posição da lente, depois foi pôr uma caixinha de fósforos no solo, um pouco adiante, perto da máquina, longe da torre, entre ambas. Levou um tempo ... Quando tudo ficou perfeito e até mais que perfeito, colocou-se no lugar da caixinha, pôs-se muito quieto, muito direito e depois, de repente, rasgou a boca num sorriso de total felicidade. Clique, disse a máquina na língua das máquinas. Ótimo, pensou decerto o japonês em japonês. Arrumou tudo cuidadosamente e foi-se embora. Talvez fosse sorrir junto de outro monumento, quem sabe se noutra cidade, noutro país. Sorrir para a eternidade dos álbuns de fotografia ou das máquinas de projeção."
- O Jornal, 4-8-78
Maria Judite de Carvalho em "Obras Completas de Maria Judite de Carvalho v"
(Este Tempo - Os Novos Deuses)
Editora Minotauro, Setembro de 2019
Páginas 51 e 52