quinta-feira, 30 de julho de 2020

"No tocante ao conteúdo do recalcamento, as coisas eram diferentes. Neste aspecto, eu não podia dar razão a Freud. Ele via no trauma sexual a causa do recalcamento e isto não me bastava. A minha prática fizera-me conhecer numerosos casos de neuroses em que a sexualidade só desempenhava um papel secundário e o que estava em primeiro plano eram outros factores, por exemplo, o problema da adequação social, da opressão por circunstâncias da vida trágicas, dos desejos de prestígio, etc. Mais tarde, apresentei esses casos a Freud; mas ele não admitia como causas outros factores que não a sexualidade. Isso, para mim, era muito insatisfatório.
(...)
Freud nunca se perguntou porque é que tinha de falar constantemente sobre sexo, porque é que esta ideia se apossou tanto dele. Nunca tomou consciência de que, "na monotonia da interpretação", se exprimia uma fuga de si próprio ou daquele outro lado dele que talvez pudesse caracterizar-se como "místico". Sem reconhecer este lado, ele não podia, contudo, pôr-se em harmonia consigo próprio. Era cego relativamente ao carácter paradoxal e à ambivalência dos conteúdos do inconsciente e não sabia que tudo o que emerge do inconsciente tem um alto e um baixo, um dentro e um fora."



"Memórias, Sonhos, Reflexões" de C.G. Jung
Relógio D' Água Editores, Julho de 2019
Páginas 156, 160 e 161

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