quarta-feira, 22 de julho de 2020

Ronda dos Bairros

"Subitamente, o sucesso no Retiro da Severa era enorme. Amália, que desde criança sabia de cor os tangos dos filmes de Carlos Gardel e todas as cantigas das grandes folhas impressas dos ceguinhos de pedir, não tinha nada para cantar que fosse seu e ficava constrangida ao cantar os fados dos seus colegas, para ela já célebres e muito importantes. Foi então, que um fadista humorístico, Francisco dos Santos, lhe escreveu um fado sentido, um fado para essa nova voz tão diferente de todas as outras vozes, que Fernando de Freitas, que tocava guitarra no Retiro da Severa, musicou.

E Amália aprendeu aquele novo fado, que era o seu primeiro fado, a correr, entre bastidores, pois estava na hora de cantar, e deu-lhe tanta vida com um grito no final, que pôs todo o público de pé a aplaudi-la, nessa grande noite ainda de Primavera de 1939, no Retiro da Severa."



RONDA DOS BAIRROS

Sentindo-me fadista e reforçando a amarra
Que prende no meu peito a sensibilidade,
Sobraçando, contente, uma velha guitarra
De noite percorri os bairros da cidade.

Em todos eu cantei uma trova de amor
Em Alfama, Madragoa, em Alcântara e por Belém,
Subi ao Bairro Alto, o bairro sonhador,
Aonde o fado vibra eternamente bem.

Eu quis saber assim onde melhor cantava
Unida à convulsão da minha nostalgia
E às quatro da manhã eu reparei que estava
Junto a uma capela, ali, na Mouraria!

Senhora da Saúde, a santinha benquista,
Parece que escutou a trova que eu cantei:
- Senti-me mais mulher, senti-me mais fadista,
Na velha Mouraria aonde o fado é lei! ..."




"O Fado da Tua Voz - Amália e os Poetas" de Vítor Pavão dos Santos
Bertrand Editora
1ª edição, Novembro de 2014
Páginas 51 e 52 

Sem comentários:

Enviar um comentário