sábado, 20 de março de 2021

 "Sentir um certo incómodo faz parte da experiência de ler um livro; há muito mais pedagogia na inquietação do que no alívio."


"Em latim, o termo que significava «livro» soava quase igual ao adjetivo que significava «livre», embora as raízes indo-europeias de ambos os vocábulos tivessem origens diferentes. Muitas línguas românicas, como o espanhol, o francês, o italiano ou o português herdaram o acesso dessa semelhança fonética, que convida ao jogo de palavra, identificando a leitura e a liberdade. Para os ilustrados de todas as épocas, são duas paixões que acabam sempre por confluir."


" ... recomendar e entregar a outro uma leitura escolhida é um poderoso gesto de aproximação, de comunicação, de intimidade.
Os livros não perderam totalmente esse primitivo valor que tiveram em Roma, a subtil capacidade de traçar um mapa dos afetos e das amizades. Quando umas páginas nos comovem, a primeira pessoa a quem falaremos sobre elas será um ente querido. Ao oferecer um romance ou um livro de poemas a alguém com quem nos preocupamos, sabemos que a sua opinião sobre o texto se refletirá sobre nós. Se um amigo, uma amada ou um amante coloca um livro nas nossas mãos, rastreamos os seus gostos e as suas ideias no texto, sentimo-nos intrigados ou visados pelas linhas sublinhadas, iniciamos uma conversa pessoal com as palavras escritas, abrimo-nos com maior intensidade ao seu mistério. Procuramos no seu oceano de letras uma mensagem numa garrafa para nós.
(...)
Certas leituras são uma forma de derrubar barreiras, certas leituras recomendam-nos o desconhecido que as ama.
(...)
Apesar do incentivo do marketing, dos blogues e das críticas, devemos quase sempre as coisas mais belas que lemos a um ente querido - ou a um livreiro convertido em amigo. Os livros continuam a unir-nos e a criar laços de forma misteriosa."




"O Infinito num Junco" de Irene Vallejo
Bertrand Editora
1ª edição, Outubro de 2020
Páginas 213, 279 e 304

Sem comentários:

Enviar um comentário